A religião espírita é uma doutrina que surgiu na França no século XIX, a partir dos estudos e obras de Allan Kardec, pseudônimo do pedagogo Hippolyte Léon Denizard Rivail.
O espiritismo se baseia na crença na existência e na comunicação com os espíritos, na reencarnação, na lei de causa e efeito e na moral cristã. Segundo o espiritismo, os espíritos são os seres imortais que habitam o plano espiritual e que podem se manifestar aos encarnados por meio de médiuns, pessoas dotadas de capacidade de perceber e transmitir as mensagens dos desencarnados.
O espiritismo se difundiu pelo mundo, mas foi no Brasil que encontrou maior acolhida e desenvolvimento. O país é considerado a maior nação espírita do mundo, com cerca de 4 milhões de adeptos, segundo o censo de 2010 do IBGE. Além disso, há milhares de centros espíritas espalhados pelo território nacional, que realizam atividades de estudo, assistência social, evangelização e divulgação da doutrina. O Brasil também é o berço de alguns dos médiuns mais famosos e influentes do espiritismo, como Chico Xavier, Divaldo Franco, Zíbia Gasparetto e João de Deus.
No entanto, nem tudo são flores no cenário espírita brasileiro. Ao longo da história, houve casos de fraudes, escândalos e polêmicas envolvendo espíritas famosos, que abalaram a credibilidade da religião e geraram críticas e desconfiança por parte de outros segmentos religiosos e da sociedade em geral. Um dos exemplos mais recentes e chocantes foi o do médium João de Deus, que foi acusado de abusar sexualmente de centenas de mulheres que buscavam atendimento espiritual em seu centro, em Abadiânia, Goiás. Ele foi condenado a mais de 60 anos de prisão pelos crimes de estupro e posse ilegal de armas.
Outro caso que causou repercussão foi o do guru espiritual Sri Prem Baba, que se declarava espírita e tinha milhares de seguidores no Brasil e no exterior. Ele foi denunciado por duas ex-discípulas de ter abusado sexualmente delas, aproveitando-se de sua posição de líder religioso. Ele negou as acusações, mas admitiu que teve relações extraconjugais com as mulheres.
Além desses casos graves, há também relatos de truques usados por espíritas para enganar e impressionar as pessoas que procuram os centros espíritas em busca de orientação, consolo ou cura. Alguns desses truques são:
- Usar informações prévias sobre os frequentadores, obtidas por meio de fichas, cadastros, conversas ou pesquisas, para simular que os espíritos revelam detalhes íntimos ou desconhecidos das suas vidas.
- Usar técnicas de hipnose, sugestão ou ilusionismo para induzir estados alterados de consciência, sensações físicas ou visões de espíritos.
- Usar objetos escondidos, como fios, panos, algodão ou sangue falso, para produzir efeitos físicos, como materializações, levitações, escritas ou cirurgias espirituais.
- Usar recursos de áudio ou vídeo, como rádios, gravadores, microfones ou câmeras, para reproduzir vozes, ruídos ou imagens de espíritos.
Esses truques, além de desonestos e antiéticos, contrariam os princípios do espiritismo, que prega a seriedade, a racionalidade e a moralidade nas manifestações espíritas. Segundo Allan Kardec, em seu livro O Livro dos Médiuns, os espíritas devem ter cuidado com as fraudes, as mistificações e as ilusões, e devem examinar tudo com critério, lógica e bom senso.
Mas por que o espiritismo pegou tanto no Brasil, apesar desses problemas? Há várias hipóteses para explicar esse fenômeno, que envolvem aspectos históricos, culturais, sociais e psicológicos. Algumas delas são:
- O Brasil tem uma tradição de religiosidade popular muito aberta ao contato com a vida após a morte e a comunicação com espíritos, presente nas religiões de matriz africana e indígena, que influenciaram a formação do povo brasileiro.
- O espiritismo chegou ao Brasil em um momento de crise do catolicismo, que enfrentava o avanço do protestantismo, o questionamento da escravidão e a separação entre a Igreja e o Estado. O espiritismo oferecia uma alternativa mais racional, democrática e progressista para os brasileiros insatisfeitos com o catolicismo tradicional.
- O espiritismo se adaptou à realidade brasileira, incorporando elementos da cultura nacional, como a valorização da família, da caridade, da diversidade e da tolerância. O espiritismo também se aproximou do cristianismo, enfatizando os ensinamentos de Jesus e a prática do amor ao próximo.
- O espiritismo atraiu intelectuais, artistas, políticos e personalidades que contribuíram para a sua divulgação e prestígio no Brasil. Alguns exemplos são Machado de Assis, Rui Barbosa, Monteiro Lobato, Chico Xavier, Bezerra de Menezes, Humberto de Campos e Léon Denis.
- O espiritismo oferece consolo, esperança e sentido para as pessoas que sofrem com as dificuldades da vida, as perdas afetivas, as doenças, as injustiças e as desigualdades sociais. A crença na reencarnação, na imortalidade da alma, na justiça divina e na evolução espiritual ajuda as pessoas a enfrentarem seus problemas com resignação e otimismo.
Essas são algumas das possíveis razões que explicam o sucesso do espiritismo no Brasil, o maior país espírita do mundo. No entanto, é importante ressaltar que o espiritismo não é uma religião homogênea, monolítica ou dogmática, mas sim uma doutrina dinâmica, plural e aberta ao diálogo e à renovação. O espiritismo não pretende impor verdades absolutas ou definitivas, mas sim estimular a busca pelo conhecimento, pela ética e pela fraternidade entre todos os seres.