O Brasil é um país com uma grande diversidade étnica e cultural, mas também com uma alta taxa de casamentos entre parentes, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
Essa prática, conhecida como consanguinidade, pode ter consequências graves para a saúde dos descendentes, aumentando o risco de doenças genéticas raras.
As doenças genéticas raras são aquelas que afetam menos de 65 pessoas em cada 100 mil habitantes, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Elas são causadas por alterações no DNA, que podem ser herdadas dos pais ou adquiridas ao longo da vida. Essas alterações podem afetar o funcionamento de um ou mais genes, que são responsáveis por produzir as proteínas essenciais para o organismo.
Existem mais de 8 mil tipos de doenças genéticas raras, que podem se manifestar desde o nascimento ou em qualquer fase da vida. Algumas delas são: anemia falciforme, fibrose cística, hemofilia, síndrome de Down, distrofia muscular, albinismo, entre outras. Essas doenças podem causar diversos problemas de saúde, como deficiências físicas ou mentais, deformidades, dores crônicas, infecções recorrentes, dificuldades de aprendizagem, entre outros.
O risco de desenvolver uma doença genética rara é maior quando os pais são parentes próximos, como primos ou tios. Isso porque eles têm mais chances de compartilhar genes alterados que podem ser transmitidos para os filhos. Quando isso acontece, os filhos recebem duas cópias do mesmo gene alterado, uma de cada pai, e desenvolvem a doença. Esse tipo de herança é chamado de autossômica recessiva.
Um exemplo de doença genética rara que segue esse padrão de herança é a mucopolissacaridose tipo VI (MPS VI), que afeta cerca de 1 em cada 215 mil nascidos vivos no mundo. Essa doença é causada pela deficiência de uma enzima chamada arilsulfatase B, que é responsável por quebrar moléculas complexas chamadas glicosaminoglicanos (GAGs). Quando essas moléculas se acumulam nas células e nos tecidos do corpo, elas causam diversos problemas, como baixa estatura, deformidades ósseas, problemas cardíacos e respiratórios, entre outros.
No Brasil, há cerca de 300 casos diagnosticados de MPS VI, sendo que a maioria está concentrada na região Nordeste. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) identificou duas novas mutações no gene da arilsulfatase B em pacientes com MPS VI no estado da Paraíba. Essas mutações são inéditas na literatura científica e podem estar relacionadas à alta frequência de casamentos consanguíneos na região.
Outro exemplo de doença genética rara que é influenciada pela consanguinidade é a síndrome do X frágil (SXF), que afeta cerca de 1 em cada 4 mil meninos e 1 em cada 8 mil meninas no mundo. Essa doença é causada pela expansão anormal de uma sequência de três letras do DNA (CGG) no gene FMR1, localizado no cromossomo X. Quando essa sequência se repete mais de 200 vezes, o gene FMR1 fica inativo e não produz uma proteína chamada FMRP, que é importante para o desenvolvimento do cérebro.
A SXF é a causa mais comum de deficiência intelectual herdada e está associada a diversos problemas neurológicos e comportamentais, como autismo, hiperatividade, ansiedade, fobia social, entre outros. A SXF é transmitida de forma dominante ligada ao X, ou seja, basta uma cópia do gene FMR1 alterado para desenvolver a doença. No entanto, o número de repetições da sequência CGG pode variar entre as gerações e influenciar a manifestação da doença.
Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) analisou o perfil genético de 1.329 indivíduos com suspeita clínica de SXF no Brasil. Os resultados mostraram que 6,9% dos casos eram positivos para a SXF, sendo que 18,4% deles apresentavam uma forma incompleta da doença, chamada de pré-mutação. Essa forma é caracterizada por ter entre 55 e 200 repetições da sequência CGG no gene FMR1, e pode causar problemas como tremor, ataxia, infertilidade, entre outros. Os pesquisadores também observaram que a frequência da pré-mutação era maior em indivíduos provenientes de casamentos consanguíneos, sugerindo que a consanguinidade pode favorecer a expansão da sequência CGG no gene FMR1.
Esses são apenas alguns exemplos de como os casamentos entre parentes podem aumentar o risco de doenças genéticas raras no Brasil. Essas doenças representam um grande desafio para a saúde pública, pois exigem um diagnóstico precoce e um tratamento adequado, que muitas vezes não estão disponíveis ou são muito caros. Além disso, essas doenças afetam a qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias, gerando sofrimento físico e emocional.
Por isso, é importante que as pessoas sejam informadas e conscientizadas sobre os riscos da consanguinidade e sobre as formas de prevenção e tratamento das doenças genéticas raras. Uma das medidas mais eficazes é o aconselhamento genético, que consiste em orientar os casais sobre as chances de terem filhos com alguma doença genética rara, baseado em seus históricos familiares e em exames genéticos. Dessa forma, os casais podem tomar decisões mais seguras e responsáveis sobre sua reprodução.