Análise mostra como fatores de noticiabilidade, limitações das redações e a prática do jornalismo sentado favorecem a reprodução de press releases e impactam a qualidade do jornalismo científico.
A forma como estudos científicos se transformam em notícia, assim como o grau de reprodução de comunicados de imprensa, depende de uma combinação de prestígio acadêmico, relevância social e limitações estruturais do jornalismo contemporâneo. Nesse cenário, o churnalism ganha espaço como prática na qual reportagens são elaboradas quase integralmente a partir de press releases. No Brasil, esse processo dialoga diretamente com o chamado jornalismo sentado, em que matérias são produzidas sem trabalho de campo e com grande dependência de conteúdos fornecidos por assessorias de imprensa.
Prestígio e alcance influenciam diretamente o que se torna notícia
Pesquisas publicadas em periódicos de alto impacto, realizadas por cientistas reconhecidos ou desenvolvidas em instituições prestigiadas têm maiores chances de atrair a atenção da imprensa. Estudos inseridos em áreas amplas e de interesse público também apresentam probabilidade elevada de cobertura, já que respondem a temas de grande apelo social.
Relevância social e impacto emocional definem o valor-notícia
Histórias que afetam diretamente a sociedade, especialmente quando envolvem riscos, problemas ambientais ou consequências negativas, tendem a receber prioridade. Elementos como gravidade do problema, potencial econômico e caráter surpreendente aumentam o valor-notícia. Em contrapartida, a simples relevância científica, quando não acompanhada de impacto social, costuma gerar pouco interesse.
A dependência crescente de press releases nas redações
O declínio de jornalistas especializados e a redução das equipes nas redações resultam em maior dependência de comunicados enviados por universidades e centros de pesquisa. Esses textos chegam prontos, escritos em linguagem acessível e organizados de forma semelhante a notícias, o que facilita sua incorporação ao conteúdo jornalístico.
Detalhes metodológicos da pesquisa não costumam prejudicar a noticiabilidade e, em alguns casos, podem até favorecê-la. Entretanto, informações sobre limitações e fontes de financiamento raramente aparecem nos press releases e, por consequência, também são pouco abordadas nas reportagens.
Jornalismo sentado e churnalism: onde se encontram e onde se separam
A prática conhecida como jornalismo sentado, comum no Brasil, consiste em produzir matérias sem deslocamento ao local dos fatos. Essa abordagem pode envolver entrevistas, checagem rigorosa e apuração detalhada, mesmo que tudo seja feito à distância.
O churnalism, por outro lado, tem um significado mais específico. O termo se refere à publicação de conteúdos baseados quase integralmente em press releases, com edição mínima e pouca ou nenhuma investigação adicional. Embora ambas as práticas dependam de conteúdos fornecidos por assessorias, existem diferenças importantes.
- Jornalismo sentado pode manter padrões elevados de apuração, mesmo sem presença física no local.
- Churnalism representa um nível inferior de rigor, pois implica a reprodução quase literal do material institucional.
Dessa forma, todo churnalism pode ser entendido como uma manifestação do jornalismo sentado, mas nem todo jornalismo sentado configura churnalism.
Os riscos do churnalism para a informação científica
Quando comunicados de imprensa se tornam a principal fonte de informação, aumenta o risco de que imprecisões ou exageros presentes nesses textos sejam repassados ao público. Press releases não passam pelo processo de revisão por pares que caracteriza a comunicação científica. Estudos indicam que grande parte das matérias sobre pesquisa científica contém trechos copiados diretamente dos comunicados originais. Em temas como a poluição por plástico oceânico, muitas reportagens apresentavam trechos idênticos aos press releases e chegavam a ser mais curtas do que os textos institucionais.
Um equilíbrio difícil entre relevância e urgência de produção
A cobertura científica atual tenta se equilibrar entre a busca por temas de alto impacto e a necessidade de produzir conteúdo rapidamente. Nesse contexto, o churnalism se apresenta como uma solução eficiente para redações com poucos profissionais e prazos reduzidos, embora traga prejuízos importantes para a qualidade da informação.
Assim, o jornalista se vê em uma posição semelhante à de um garimpeiro pressionado pelo tempo, que deixa de filtrar cuidadosamente o material encontrado e entrega ao público algo quase bruto, confiando na credibilidade da fonte institucional. O resultado é um jornalismo aparentemente abundante, porém cada vez mais alinhado ao discurso produzido pelas próprias organizações científicas.
