O elefante africano da floresta (Loxodonta cyclotis) é conhecido por sua capacidade de atuar como “jardineiro”. À medida que transita pelas florestas tropicais africanas, o animal espalha um vasto número de sementes de frutas, de uma grande diversidade de árvores das quais se alimenta. Dessa forma auxilia a germinação de mais de cem espécies de árvores, que também fornecem alimento ou servem de abrigo para primatas, pássaros e insetos.
Um estudo internacional, com a participação de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Embrapa Informática Agropecuária, concluiu que o papel desempenhado pelo elefante africano da floresta nas florestas tropicais africanas, porém, vai muito além de dispersor de sementes. Os pesquisadores constataram que o animal – ameaçado de extinção – promove mudanças na estrutura da floresta e contribui para aumentar o armazenamento de carbono.
Durante a caminhada, além de se alimentar o elefante pisoteia, atropela ou se coça em árvores localizadas próximas às trilhas que utiliza preferencialmente para cruzar a floresta. O desbaste dessas árvores reduz a sua densidade ao longo do tempo.
A diminuição da densidade de árvores alivia a competição por água, luz e espaço entre elas e favorece o surgimento de árvores maiores, com maior diâmetro e densidade de madeira e, consequentemente, mais carbono estocado na biomassa. Essa mudança na estrutura das florestas tropicais africanas e na composição das espécies de árvores influenciada pelo animal também aumenta, em longo prazo, o equilíbrio da biomassa acima do solo, apontou o estudo.
Resultado de um projeto apoiado pela FAPESP, o trabalho foi publicado na revista Nature Geoscience.
“Observamos que a presença do elefante em uma densidade de 0,5 a 1 animal por quilômetro quadrado aumenta a biomassa acima do solo em 26 a 60 toneladas por hectare da floresta”, disse Simone Aparecida Vieira, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp e uma das autoras do estudo, à Agência FAPESP.
A pesquisadora integrou a comissão organizadora da Escola São Paulo de Ciência Avançada em Cenários e Modelagem em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, realizada de 1º a 14 de julho em São Pedro, no interior de São Paulo. Com apoio da FAPESP, por meio do programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), o evento reuniu 87 alunos de 20 países.
Também participaram do estudo Marcos Longo, pós-doutorando no Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, que fez pós-doutorado na Embrapa Informática Agropecuária com bolsa da FAPESP, e Marcos Augusto da Silva Scaranello, também pós-doutorando na mesma instituição. Scaranello fez doutorado no IB-Unicamp também com bolsa da FAPESP.
De acordo com os autores do estudo, já se sabia que mega-herbívoros, como os elefantes, podem ter impacto importante nos ecossistemas e nos ciclos biogeoquímicos ao consumir biomassa, transportar nutrientes e alterar a mortalidade das plantas. A influência dos elefantes na estrutura, na produtividade e nos estoques de carbono nas florestas tropicais da África, contudo, permanecia em grande parte desconhecida.
“As florestas tropicais da África Central têm estoques de carbono maiores do que os da Floresta Amazônica, embora estejam em condições climáticas e de solo semelhantes”, disse Vieira.
As árvores das florestas da África Central têm uma densidade mais baixa do caule e maior diâmetro e biomassa média acima do solo em relação às da Amazônia, explicou a pesquisadora.
“A presença de elefantes nas florestas tropicais da África Central pode ter contribuído para explicar essas diferenças em relação à Amazônia em longos períodos de tempo”, disse Vieira.
A fim de testar essa hipótese, os pesquisadores usaram um modelo computacional de dinâmica de ecossistemas (ED2 model). O modelo rastreia explicitamente a dinâmica da estrutura e da função do ecossistema em escala fina, simulando a heterogeneidade horizontal e vertical da vegetação na sucessão florestal a longo prazo, a competição das plantas por recursos que levam à mortalidade, assim como os eventos estocásticos de perturbação que podem influenciar a estrutura da floresta no curto, médio e longo prazo, como a presença de elefantes.
As simulações foram comparadas com dados de inventário de duas florestas na Bacia do Congo: em uma delas ainda há presença de elefantes e, em outra, os animais foram erradicados.
Os resultados apontaram que a introdução dos elefantes causa um efeito temporário de redução na concentração de biomassa acima do solo da florestas, em uma escala de 125 a 250 anos, em razão do aumento da mortalidade de pequenas árvores pela ação do animal. O aumento e o sucessivo equilíbrio da concentração de biomassa acima do solo são atingidos entre 250 e mil anos depois da introdução dos animais.
“Os resultados sustentam a hipótese de que a presença deles pode ter moldado a estrutura das florestas tropicais da África e que, provavelmente, desempenhou um papel importante para diferenciá-las das florestas tropicais da Amazônia”, disse Vieira.
Extinção dos elefantes
Os pesquisadores também simularam os efeitos da extinção dos elefantes na concentração de biomassa acima do solo em toda a floresta da África Central – com 2,2 milhões de quilômetros quadrados de extensão.
Os resultados indicaram que a perda do animal resultaria em uma diminuição de 7% da biomassa acima do solo e de até 3 bilhões de toneladas de carbono.
A conservação dos elefantes pode reverter essa tendência de queda de serviço de armazenamento de carbono estimado em US$ 43 bilhões, apontam os pesquisadores.
“Nossas simulações sugerem que se a perda de elefantes continuar inabalável, as florestas da África Central podem liberar o equivalente a vários anos de emissões de CO2 de combustíveis fósseis da maioria dos países, potencialmente acelerando a mudança climática”, disse Fabio Berzaghi, pesquisador do Laboratório de Ciências Ambientais e do Clima (CEA), da França, e principal autor do estudo, em comunicado da instituição.
“A perda desse animal pode ter um impacto drástico, tanto em nível local como globalmente”, avaliou.
A população de elefantes da floresta caiu dramaticamente desde a colonização da África Ocidental, pelos europeus, quando os animais passaram a ser caçados para obtenção de marfim. Hoje, as espécies de elefantes diminuíram para menos de 10% de seu número original.
O artigo Carbon stocks in central African forests enhanced by elephant disturbance (doi 10.1038/s41561-019-0395-6), de Fabio Berzaghi, Marcos Longo, Philippe Ciais, Stephen Blake, François Bretagnolle, Simone Vieira, Marcos Scaranello, Giuseppe Scarascia-Mugnozza e Christopher E. Doughty, pode ser lido por assinantes da revista Nature Geoscience em www.nature.com/articles/s41561-019-0395-6.