Chuvas extremas, como a que inundou São Paulo no início de fevereiro – quando foram registrados na cidade 114 milímetros (mm) de precipitação em 24 horas, o segundo maior volume desde 1943 segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) – têm se tornado cada vez mais comum na região.
Estudo feito por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), apontou um aumento significativo na Grande São Paulo do volume total de precipitação e da ocorrência de eventos extremos de chuva no verão nas últimas sete décadas.
Enquanto para os anos 1950 praticamente não há registro de dias com chuvas fortes – com mais de 50 mm –, na última década foram observados de dois a cinco dias por ano com esse volume de precipitação na região metropolitana da capital, constataram os autores.
Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), foram publicados nos Anais da Academia de Ciências de Nova York.
O trabalho também teve a participação de pesquisadores do Inmet e dos institutos Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).
“Essas chuvas intensas, com duração de poucas horas e grande volume de água, com 80 ou até mais de 100 mm, têm deixado de ser eventos esporádicos. Estão acontecendo com frequência cada vez maior”, disse à Agência FAPESP José Antonio Marengo, pesquisador do Cemaden e coordenador do estudo.
Os pesquisadores fizeram um levantamento de chuvas com forte intensidade e curta duração na Grande São Paulo nas últimas décadas com base nos registros das estações meteorológicas do IAG-USP e do Mirante de Santana, situado na zona norte da cidade.
As análises indicam aumento na ocorrência de dias com chuva forte e na frequência de eventos extremos de precipitação na Região Metropolitana de São Paulo, particularmente na primavera e no verão.
A estação seca, que costumava ficar concentrada entre abril e setembro na maior parte do Estado de São Paulo, tem durado até outubro nas últimas décadas.
O número de dias secos consecutivos também aumentou gradualmente, sugerindo que os eventos de chuva intensa estão concentrados em menos dias, espaçados entre períodos mais longos de seca e de temperatura elevada.
Com menos noites frias e dias mais quentes, há mais chance de chuvas convectivas – que ocorrem quando a massa de ar quente é elevada até as camadas mais frias da atmosfera –, aumentando a frequência e a intensidade de chuvas extremas, avaliaram os pesquisadores.
“Observamos uma tendência de longo prazo desse tipo de evento climático. Há indicações muito fortes de que há uma mudança de clima em andamento”, afirmou Marengo.
Os registros das estações meteorológicas do IAG-USP e do Mirante de Santana indicam que o número de dias com chuvas acima de 100 mm na cidade aumentou quase seis vezes entre 2000 e 2018 em comparação com as décadas de 1940 e 1960.
As observações da estação do IAG-USP também mostram aumento na frequência e na intensidade de chuvas intensas e dias secos consecutivos entre 1931 e 2017.
“Esses dados sugerem que o aumento do volume total de chuvas em São Paulo nas últimas décadas se deve ao aumento de precipitações ‘pesadas’, concentradas em menos dias e com mais tempo seco entre elas”, explicou Marengo.
As causas
De acordo com os pesquisadores, as mudanças no regime de chuvas da Grande São Paulo podem ser decorrentes da variabilidade climática natural, mas também podem estar relacionadas ao aquecimento global e ao crescimento da urbanização, em especial nos últimos 40 anos, o que contribuiu para agravar o efeito conhecido como “ilha de calor” na cidade.
Com o aumento da urbanização, o solo da região – antes exposto e com vegetação remanescente da Mata Atlântica – foi sendo cada vez mais coberto por materiais como asfalto e concreto, que absorvem muito calor e não retêm umidade.
Com isso, durante o dia o clima fica muito quente e, à noite, o calor acumulado é liberado para a atmosfera. A umidade relativa do ar da cidade é reduzida e a evaporação de água do solo para a formação de nuvens é acelerada, explicou Marengo.
Esse efeito induziu o aumento de eventos extremos de chuva na Região Metropolitana de São Paulo no período de 1933 a 2010, afirmou o pesquisador.
Essas mudanças no regime de chuvas da região, aliadas à ocupação inadequada de áreas de risco, como encostas e margens de cursos de água, têm causado, nos últimos 20 anos, um aumento de desastres hidrometeorológicos, como inundações, enxurradas e deslizamentos de terra, apontam os autores do estudo.
“Um evento de precipitação extrema não é um desastre natural por si só. Os chamados desastres naturais, na verdade, resultam de uma combinação de fatores climáticos, meteorológicos, urbanos, econômicos e sociais. Ou seja, são também desastres antrópicos, resultantes de ações humanas e não apenas do clima”, disse Marengo.
O Estado de São Paulo lidera as estatísticas de inundação, com 33,36% do número de casos. É seguido por Santa Catarina (11,25%), Rio Grande do Sul (9,06%), Paraná (8,33%), Rio de Janeiro (7,28%) e Minas Gerais (5,96%).
Entre 2014 e 2018, ocorreram 168 inundações repentinas deflagradas por chuvas extremas. Esse tipo de desastre hidrometeorológico é uma das principais causas de fatalidades no país, como mortes e ferimentos, seguido por deslizamentos de terra.
“As regiões Sudeste e Sul do Brasil são as mais afetadas por esses desastres hidrometerológicos porque têm maior densidade populacional”, afirmou Marengo.
“Os deslizamentos de terra, por exemplo, só matam pessoas porque elas são forçadas a viver em áreas de risco, onde não deveriam. As ruas só enchem de água porque os rios foram canalizados e as cidades, impermeabilizadas, cobertas de asfalto e concreto.”
O artigo Trends in extreme rainfall and hydrogeometeorological disasters in the Metropolitan Area of São Paulo: a review (DOI: 10.1111/nyas.14307), de José A. Marengo, Lincoln M. Alves, Tércio Ambrizzi, Andrea Young, Naurinete J. C. Barreto e Andrea M. Ramos, pode ser lido nos Anais da Academia de Ciências de Nova York em nyaspubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/nyas.14307.