O papa Francisco devolveu ao estado laico neste sábado (16) o ex-cardeal americano Theodore McCarrick, de 88 anos, acusado de abusos sexuais contra ao menos um adolescente há quase meio século, uma novidade na história da Igreja Católica.
O papa argentino declarou definitiva uma sentença nesse sentido da Congregação para a Doutrina da Fé, instituição do Vaticano que vela pelo respeito do dogma católico, detalhou um comunicado da Santa Sé divulgado hoje.
O ex-cardeal foi considerado culpado de ter “infringido o sexto mandamento (que proíbe o adultério) com menores e adultos, com a circunstância agravante do abuso de poder”, segundo o comunicado.
Esta punição, sem apelação possível e, portanto, definitiva, é aplicada poucos dias antes de uma reunião crucial, de 21 a 24 de fevereiro, com os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo no Vaticano, onde abordarão a responsabilidade dos prelados que mantiveram silenciadas as agressões sexuais a menores de idade executadas pelo clero.
Os grandes escândalos que foram revelados nos Estados Unidos, no Chile e na Alemanha mancharam a credibilidade da Igreja Católica.
O papa Francisco, que quer aplicar sua promessa de “tolerância zero”, prometeu nestes últimos meses que seria intransigente com a alta hierarquia eclesiástica.
O ex-cardeal emérito de Washington já estava proibido desde julho de exercer seu ministério e depois renunciou ao seu título honorário de cardeal. Com sua exclusão oficial da Igreja, o homem, recluso atualmente no estado do Kansas, nos Estados Unidos, simplesmente se torna Theodore McCarrick.
A Santa Sé solicitou em setembro de 2017 uma investigação ao arcebispado de Nova York, após o depoimento de um homem que acusou o prelado de ter abusado sexualmente dele nos anos 1970.
‘Indícios graves’
Diante dos “indícios graves” revelados na investigação, o papa destituiu no final de julho o monsenhor McCarrick do título de cardeal.
Este caso abalou a hierarquia da Igreja Católica americana, pouco antes da publicação de um relatório devastador sobre os abusos maciços cometidos na Pensilvânia.
A decisão do Papa Francisco de expulsar do sacerdócio o ex-cardeal Theodore McCarrick por acusações de abuso sexual “é um sinal claro” de que atos como este não serão tolerados, divulgou neste sábado a Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos.
“Nenhum bispo, não importa o quão influente ele seja, está acima da lei da Igreja”, diz o cardeal Daniel DiNardo em comunicado. “Para todos aqueles de quem McCarrick abusou, rogo que esta sentença seja um pequeno passo, entre muitos, para a cura”.
Em 2015, o papa Francisco aceitou a renúncia do monsenhor Keith O’Brien a todos os direitos do cardeal, após ter demitido dois anos antes como arcebispo de Edimburgo quando foi acusado de “atos inapropriados” com jovens padres. O prelado, no entanto, manteve o título do cardeal até a sua morte, em março de 2018.
O único caso de abandono do título supremo do cardeal remonta a 1927, quando o papa Pio XI aceitou a renúncia do cardeal francês Lois Billot, que havia renunciado por motivos políticos.
Punição mais severa
Expulsar um prelado é considerada a punição mais severa para um eclesiástico, privados de todos os seus direitos e prerrogativas de sacerdote, como celebrar a missa.
Em outubro, o papa retirou os títulos de dois bispos chilenos por agressões sexuais a menores de idade, quando a Igreja Católica deste país estava mergulhada em um escândalo sem precedentes.
O cardeal McCarrick, um padre que foi nomeado bispo e arcebispo da Arquidiocese de Nova York antes de ir para Washington em 2001, era um dos cardeais americanos com mais projeção internacional. Durante muito tempo, foi muito influente para levantar fundos para a Santa Sé.
Embora estivesse oficialmente aposentado, continuava viajando, especialmente para defender questões de direitos humanos. Desempenhou um papel importante na exigência de reformas que punissem severamente os padres pedófilos nos Estados Unidos.
McCarrick também foi alvo de uma acusação incendiária de um prelado italiano aposentado, o arcebispo Carlo Maria Vigano, que chegou a pedir a renúncia de Francisco e de outros membros da cúria por terem ignorar o comportamento do ex-cardeal por cinco anos, apresentado como um notório predador sexual.
Esta acusação virulenta, com base em provas escritas, foi feita no final de agosto, em plena viagem do pontífice à Irlanda, país cuja Igreja Católica é atingida por numerosos escândalos de abusos.
O papa prometeu mais investigações sobre McCarrick nos arquivos dos departamentos (ministérios da Cúria Romana) e nos escritórios da Santa Sé.