O Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte realizou nesta semana, seu primeiro curso sobre aplicações medicinais da cannabis. Pesquisas sobre a aplicação de substâncias derivadas da planta da maconha prosperam no Brasil, mas especialista ouvido pela Sputnik Brasil diz que é preciso manter cautela.
O evento realizado pela UFRN desde o último dia 3 convidou especialistas para debaterem os avanços científicos relacionados ao uso da maconha no tratamento de doenças como dores crônicas e crises de epilepsia. Pesquisadores da própria federal receberam também painéis e debates com a participação de profissionais da Aliança de Inteligência e Segurança Nacional (EUA), do GH Medical (Holanda), da Universidade de Milão (Itália) e da Liga Canábica da Paraíba.
Os principais avanços se concentram no uso de canabidiol (CBD), um dos 113 derivados canabinoides da Cannabis sativa. Anteriormente proibido no Brasil, o CBD teve sua prescrição autorizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2016. Porém, ele só pode ser administrado no que se convencionou chamar de “uso compassivo”: quando o paciente — sofrendo de doenças crônicas ou risco de morte — não responde a nenhum outro tratamento tradicional.
Desde a autorização, um médico — que antes podia perder o registro se prescrevesse o canabidiol em quaisquer circunstâncias — receita o CBD e a recomendação é enviada a um conselho de ética do próprio hospital ou de uma universidade, que decide pelo parecer positivo ou negativo caso a caso. Na eventual aprovação, a receita é enviada à Anvisa, que tem 30 dias para analisar a documentação e emitir uma autorização especial de importação do medicamento. Como não são regulamentados pela Anvisa, os frascos do canabidiol só podem ser comprados no exterior a preços que costumam exceder os US$390 (cerca de R$1500).
Especialista recomenda cautela sobre regulamentação irrestrita
Parte da comissão do CFM que autorizou a prescição do CBD no Brasil, o coordenador do Centro de Referência em Drogas da Faculdade Medicina da UFMG, Frederico Garcia diz que a comunidade científica ainda reluta ao atestar a segurança e eficácia do canabidiol para o tratamento de doenças. Na visão do especialista, as evidências disponíveis até o momento não têm robustez o suficiente para garantir o uso irrestrito e a adoção do CBD pela farmacologia tradicional.
“Em 2016 avaliamos toda a qualidade de evidências para o uso de canabidiol e elas ainda são pouco robustas, não atendem a todos os critérios para indicar um tratamento com tranquilidade. Não ter evidências não significa que não funcione, só que não há informações que respaldem a segurança e a eficácia da administração”, conta Garcia. “O desenvolvimento de um medicamento segue etapas protocolares para avaliar a eficácia. Salvo o melhor juízo, o que já foi aplicado na literatura médica ainda não nos respalda”, completa.
Diante das sucessivas decisões judiciais que obrigam o Sistema Único de Saúde a fornecer o CBD para pacientes carentes, Frederico afirma que a padronização (quando o remédio é fornecido na rede pública de graça) ainda é um tópico complexo.
“É difícil de falar em limitação do SUS sem discutir os princípios da universalidade e da equidade do SUS. Em princípio, ele deve abarcar tudo que o cidadão precisa. Porém, a padronização do medicamento que segue um caminho longo pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), que avalia a eficácia e a viabilidade econômica em relação a outros tratamentos disponíveis. A gente pode desejar a padronização desses medicamentos, mas sem evidências científicas vai ser difícil”, argumenta o médico.
Garcia diz que “na medicina não existe o contra ou a favor, existe o certo para o paciente”. Ele relembra que, ao redigir a normal, o CFM propôs a distribuição experimental do canabidiol nas cinco regiões do país por meio de um centro da Unicamp que já pesquisa a substânia. Em troca entidades ligadas à causa deveriam disponibilizar dados verificáveis quanto à resposta ao tratamento. O médico diz que a ideia não andou “por falta de vontade política”.
“Tem muita gente com boa intenção tentando encontrar soluções com o canabidiol para problemas graves, mas enquanto médico e professor da faculdade de medicina eu preciso ser cético. Observa-se que alguns grupos que advogam pelo uso do CBD não advogam pelo uso sintético e purificado, mas sim de canabidiodes com alguma quantidade de THC (a substância na maconha que causa alucinações). Em grupos vulneráveis, pequenas quantidades de THC poderiam causar dependência. Como sempre dizemos na medicina, a diferença entre o veneno e o remédio está na dosagem. Aguardamos novas pesquisas para debater melhor o assunto”, finaliza.
Por Sputnik Brasil.