Na última sexta-feira (27/07), o youtuber mineiro Everson Zoio descreveu em um vídeo como transou com a sua namorada enquanto ela dormia. Assim, de forma simples e leve, entre risos e deboches, ao lado de amigos, o influencer ainda contou que a sua namorada teria deixado claro que não queria ter relações sexuais naquela noite e que ele respondeu: “Beleza, não vou te forçar, não sou estuprador”.
Até 2005, esteve em vigor no Código Penal brasileiro (de 1940) uma previsão que extinguia a punibilidade do crime de estupro “pelo casamento do agente com a vítima”. Os dois incisos que extinguiam a punibilidade foram revogados pela lei 11.106 naquele ano e assim foi reconhecido o estupro marital. Em outras palavras, a alteração incluiu a relação forçada entre marido e mulher no rol de crimes “contra os costumes”.
E esse termo, não sei aí, mas aqui ressoa e intriga. Afinal, quantas mulheres, até hoje, não cedem ou são violadas por seus maridos, e vêem isso como um costume normal? Instinto do homem? E mais: consideram o sexo como uma obrigação matrimonial.
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Quando isso não é normalizado e abafado pelas vítimas, a justiça vem e o faz. No artigo 213 do Código Penal, a definição dada para o crime de estupro é a de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Os menos interessados em expandir o julgamento para todos os casos – mais diretamente a maioria dos juristas – ainda segue esse artigo de cabo a rabo, julgando que para configurar estupro é preciso haver a tal ameaça ou grave violência.
Um caso dentro dessa tipificação é do juiz e ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto Caldas, que foi acusado pela ex-esposa, Michella Marys, de espancamento, ameaça de morte e estupro. “Várias vezes acordei no meio da noite com ele me penetrando. Às vezes, eu tomava remédio forte para dormir e tinha sono pesado. Achava isso uma violência, mas não sabia que era estupro. Chegou um momento em que eu não conseguia mais dormir à noite”, disse Marys, em entrevista ao Globo.
Com isso, nesse momento, a equação funciona assim: o inimigo dorme ao lado + é privilegiado pela visão conservadora e subserviente da parceira + é protegido pela justiça + encorajado pela sociedade a fazer vídeos para se gabar da sua masculinidade – quem não dorme= Você!