Iguaria francesa muito apreciada do público brasileiro, o tradicional queijo camembert pode desaparecer de vez das prateleiras de supermercado, ou mesmo de empórios e importadoras. Pelo menos, em sua produção artesanal. Segundo o jornal Le Monde desta quarta-feira (13), apenas duas apelações certificadas na Normandia, no norte da França, continuam a fabricar o famoso queijo, a partir de seu próprio leite. Um “savoir-faire” ameaçado de extinção, segundo o vespertino francês.
Os leites pasteurizados tradicionais são incapazes de produzir o verdadeiro queijo camembert francês da Normandia, afirmam os experts, e aí reside a principal ameaça à continuidade da produção da iguaria no país. Segundo Nicolas Durand, fazendeiro certificado com a apelação AOP “camembert da Normandia”, “nosso leite é uma matéria viva muito mais delicada para ser trabalhada do que o leite pasteurizado industrial”.
Le Monde lembra que a criação do selo de apelação controlada “camembert da Normandia”, que data de 1982, tinha como principais critérios a utilização do leite cru vindo de vacas da raça Normanda e a modelagem do queijo numa grande concha de servir. Em 1996, a Europa reconhece o selo e cria uma apelação de origem protegida. Mas em 2007, empresas como a Lactalis e a Isigny fizeram um forte lobby junto ao Instituto francês da origem e da qualidade (INAO) para que ele passasse a aceitar a pasteurização na fabricação do camembert. A iniciativa, no entanto, não deu certo.
A empresa Lactalis, no entanto, não se deu por vencida. Em 2016 ela comprou a queijaria Graindorge, e se tornou fabricante majoritária da apelação “camembert da Normandia”. Em 2018, o INAO bateu o martelo e anunciou um acordo que prevê , em 2021, uma abertura da certificação aos queijos pasteurizados.
Um conhecimento artesanal que remonta a séculos de tradição
Para obter o gosto de um “verdadeiro camembert”, os fazendeiros da Normandia não devem resfriar o leite cru nem aquecê-lo a mais de 40°C. Segundo o jornal francês, isso garante “todas as chances de sobrevivência aos microrganismos dos pastos” que fornecem uma grande diversidade de aromas e paladares. “E isso, apenas os produtores que transformam o leite em suas fazendas locais, conseguem fazê-lo”, diz Le Monde.
Segundo o fazendeiro Nicolas Durand, o camembert é um queijo muito complicado de ser produzido. “Ele exige muito trabalho, além de investimentos pessoais e financeiros nada negligenciáveis, porque absolutamente tudo é feito à mão”, conta.
Todos os dias, Durand e sua equipe executam o mesmo ritual no “ateliê de transformação”: blusa branca de trabalho, proteção na cabeça, os cinco funcionários se revezam para transformar em pedregulhos o leite cru recolhido na véspera. A coagulação acontece em alguns minutos, e permite a modelagem manual, descreve Le Monde. O leite é retirado com golpes de concha a cada 40 minutos, que preencherão os moldes cilíndricos – cada um deles dará origem a um queijo camembert.
Os moldes são então virados de cabeça para baixo e cobertos por uma placa de inox que exerce uma ligeira pressão sobre a “pasta”. No dia seguinte, os queijos são retirados dos moldes, e salgados. Na sequência, eles serão afinados durante 14 dias em repouso, quando a famosa crosta do camembert se forma progressivamente. Segundo Durand, “nada a ver com esses queijos moles padronizados e insípidos, enfiados nas prateleiras das geladeiras dos supermercados”.
A célebre pasta mole do queijo normando foi inventada em 1791 pela agricultora francesa Marie Harel, moradora da cidade de Camembert, na Normandia. Desde então, o pequeno vilarejo verdejante atrai turistas do mundo inteiro. 30% da produção da fazenda de Nicolas Durand é vendida imediatamente no local aos turistas.
“Eu luto para manter esse método de fabricação”, conta o produtor a Le Monde. “O método artesanal é sinônimo de terroir et de autenticidade”, afirma. Considerações importantes, num país que deve liberar aos grandes produtores de leite pasteurizado em 2021, a certificação de apelação controlada “camembert da Normandia”.