Não era a primeira vez que recebiam aquele tipo de chamado. Vítima com queimadura grave.
Era sexta-feira, sete horas da manhã. Havia caído uma chuva fina. A ocorrência não era longe, mas o trânsito estava terrível. Ligou a sirene. No caminho, um carro da polícia deu cobertura. Chegaram em 7 minutos.
O condomínio estava em fase final de construção. As casas de 80 metros quadrados em dois andares, cheirando tinta nova, a grama plantada na véspera e o paralelepípedo branco contrastavam com o cheiro e a cor do asfalto fresco da pavimentação das ruas.
Trabalhando há dois anos como ajudante de pedreiro, Antônio nunca tinha estado doente, desde que se mudara para São Paulo. Tinha com ele um santo protetor poderoso, assim dizia, do qual herdara o nome e no qual tinha muita fé.
Era baiano de nascença, mas paulistano de paixão, sentimento que nutria desde pequeno. O namoro antigo, teria se iniciado com a chegada em casa, da primeira televisão. Aqueles prédios enormes envidraçados, ruas cheias de gente e carros, que apareciam nas novelas e no noticiário, mexeram com sua imaginação. Assim, quando jovem, não teve mais dúvidas. Vendeu o pouco que tinha e partiu.
O começo difícil em São Paulo se estendeu pelo resto dos anos. Fez de tudo um pouco: vendeu cd’s piratas nas ruas, balas nos trens e ônibus, foi chapa de caminhão, lavou muito carro até poder exercer sua verdadeira vocação: ser ajudante de pedreiro. Casou-se, teve filhos.
Naquela sexta-feira, chegou cedo no condomínio em construção. Tomou o café, trocou a roupa e foi logo pegando seu carrinho de mão. Encheu de areia até onde pôde. Saiu do depósito. Virou a esquina. Freou. À sua frente, o asfalto fresco cobria toda a rua. Pensou. Decidiu passar pelo paralelepípedo. Empurrou o carrinho pesado. Subiu. O vapor quente do betume entrou por suas narinas. Instintivamente levantou um dos ombros para tampar o nariz. Perdeu o equilíbrio. Em fração de segundos, espalhados sobre o piche fervente: areia e homem. Na tentativa de se erguer, outras partes do corpo entraram em contato com a matéria pegajosa e quente.
O Samu logo chegou. Na entrada do condomínio, avistaram um vulto negro, de braços abertos, correndo em direção à ambulância. Gritava de dor. Colocaram-no na maca. O betume, a carne, a pele, o tecido da roupa eram uma coisa só. Usaram pela primeira vez, a atadura importada sobre a massa disforme. Aliviou a dor. Levaram-no para o Hospital das Clínicas, direto para a ala de queimados.
De volta à Base, no lugar da sirene, ressoava na memória, os gemidos sofridos de dor.
(7X7 é uma série ficcional, baseada em fatos reais vivenciados por um socorrista em São Paulo). 4º episódio.