Em novembro de 1904, o Rio de Janeiro foi palco de uma das maiores revoltas populares da história do Brasil: a revolta da vacina.
O movimento foi contra a imposição da vacinação obrigatória contra a varíola pelo governo do presidente Rodrigues Alves, que pretendia modernizar e sanear a cidade.
A situação sanitária do Rio de Janeiro em 1904
No início do século XX, o Rio de Janeiro era a capital do Brasil e a principal porta de entrada para os imigrantes e os visitantes estrangeiros. No entanto, a cidade sofria com o acúmulo de lixo, a falta de saneamento básico e a alta taxa de transmissão de doenças como peste bubônica, febre amarela e varíola. Essas doenças causavam muitas mortes e afetavam a imagem da cidade no cenário internacional.
Para tentar resolver esses problemas, o governo do presidente Rodrigues Alves iniciou uma série de reformas urbanas e sanitárias, que incluíam a demolição de cortiços e favelas, a construção de novas avenidas e edifícios, a melhoria do sistema de esgoto e água e a vacinação obrigatória contra a varíola. Essas reformas eram inspiradas nos modelos europeus de urbanização e higienização e tinham como objetivo transformar o Rio de Janeiro em uma cidade moderna, civilizada e saudável.
A vacinação obrigatória contra a varíola
A varíola era uma doença infecciosa causada por um vírus que provocava febre, dores no corpo e erupções cutâneas que podiam deixar cicatrizes permanentes ou causar cegueira. A doença era altamente contagiosa e podia ser transmitida pelo contato direto com as lesões ou com objetos contaminados. A varíola não tinha tratamento específico e podia matar até 30% dos infectados. A única forma de prevenir a doença era por meio da vacinação.
A vacina contra a varíola foi descoberta pelo médico inglês Edward Jenner em 1796, mas só chegou ao Brasil em 1804, trazida pelo médico português Joaquim dos Santos Sarmento. No entanto, a vacinação no Brasil enfrentou muitas dificuldades, como a falta de infraestrutura, de pessoal qualificado, de informação e de adesão da população. Muitas pessoas tinham medo dos efeitos colaterais da vacina, como febre, dor e inflamação no local da aplicação. Outras tinham receio de contrair outras doenças pela vacina ou de se transformar em animais, como bois ou vacas. Além disso, muitos viam a vacinação como uma violação da liberdade individual e uma imposição autoritária das autoridades.
Em 1904, o governo do presidente Rodrigues Alves nomeou o médico sanitarista Oswaldo Cruz como diretor-geral da Saúde Pública, com o objetivo de combater as epidemias que assolavam o Rio de Janeiro. Oswaldo Cruz era um renomado cientista que havia estudado na França e na Inglaterra e que já havia realizado campanhas bem-sucedidas contra a peste bubônica e a febre amarela. Uma das principais medidas de Oswaldo Cruz foi a vacinação obrigatória contra a varíola, que foi aprovada pelo Congresso Nacional em 31 de outubro de 1904. A lei determinava que todos os habitantes do Rio de Janeiro deveriam se vacinar ou apresentar um certificado de vacinação para poderem exercer seus direitos civis, como matricular-se em escolas, casar-se ou viajar. A lei também autorizava os agentes sanitários a entrarem nas casas para vacinar à força as pessoas que se recusassem a se vacinar.
A revolta popular contra a vacinação obrigatória
A lei da vacinação obrigatória gerou uma grande insatisfação e revolta por parte da população, que não tinha informação suficiente sobre a vacina e que se sentia invadida e humilhada pelas autoridades sanitárias. A revolta foi motivada por vários fatores, como:
- A falta de diálogo e de esclarecimento sobre a vacina e seus benefícios. Muitas pessoas não sabiam o que era a varíola, como se prevenia ou como se transmitia. Muitas também não confiavam na ciência e na medicina e preferiam recorrer aos remédios caseiros ou às rezas. Além disso, muitas pessoas não entendiam o motivo da obrigatoriedade da vacina e achavam que era uma forma de controle social ou de experimentação científica.
- O autoritarismo e a violência das autoridades sanitárias. Os agentes sanitários eram vistos como invasores que entravam nas casas sem autorização, quebravam objetos, revistavam as pessoas e as vacinavam à força. Muitas vezes, os agentes eram acompanhados por policiais ou soldados armados, que reprimiam qualquer resistência ou protesto. Muitas pessoas se sentiam violadas em sua intimidade, em sua liberdade e em sua dignidade.
- A insatisfação com as reformas urbanas que desalojaram os mais pobres. As reformas urbanas promovidas pelo governo do presidente Rodrigues Alves tinham como objetivo modernizar e embelezar o Rio de Janeiro, mas também provocaram o deslocamento e a marginalização de milhares de pessoas que viviam em cortiços e favelas. Essas pessoas foram expulsas de suas moradias e tiveram que se mudar para áreas mais distantes e precárias, sem infraestrutura ou serviços públicos. Muitas pessoas perderam seus laços sociais, seus empregos e suas fontes de renda. Muitas também se sentiram excluídas do projeto de cidade idealizado pelo governo, que privilegiava os interesses das elites econômicas e políticas.
- A influência de grupos políticos opositores ao governo. A revolta da vacina também teve um componente político, pois contou com a participação e a articulação de grupos que eram contrários ao governo do presidente Rodrigues Alves, como os republicanos históricos, os positivistas, os anarquistas, os socialistas e os militares jovens. Esses grupos aproveitaram o descontentamento popular para criticar o governo e defender suas propostas de mudança social e política. Eles também incentivaram e organizaram as manifestações e os confrontos nas ruas.
A revolta da vacina começou no dia 10 de novembro de 1904, quando uma manifestação pacífica contra a vacinação obrigatória foi reprimida pela polícia na Praça da República. No dia seguinte, uma nova manifestação ocorreu na Rua do Ouvidor, onde foram distribuídos panfletos contra a vacina. A partir daí, a revolta se espalhou por vários bairros da cidade, como Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Catumbi, Estácio, Cidade Nova e Praça Onze. Os revoltosos formaram barricadas nas ruas, atacaram os postos de vacinação, depredaram prédios públicos, cortaram fios telegráficos, incendiaram bondes e enfrentaram as forças policiais e militares. A revolta durou seis dias e foi marcada por violentos confrontos entre os manifestantes e as forças do governo.
Qual era a expectativa de vida da população nessa época?
A expectativa de vida da população brasileira em 1904 era de 33,4 anos. Esse valor era muito baixo se comparado com os países industrializados na época, que tinham uma expectativa de vida de cerca de 47 anos.
A principal causa da baixa expectativa de vida no Brasil era a alta mortalidade por doenças infecciosas, como varíola, tuberculose, febre amarela e peste bubônica. Essas doenças eram agravadas pela falta de saneamento básico, higiene e vacinação na maioria das cidades brasileiras.
A situação só começou a melhorar nas décadas seguintes, com o avanço da medicina, da vacinação e das condições de vida da população. Em 1940, a expectativa de vida do brasileiro já havia subido para 45,5 anos e em 2019, para 76,6 anos.
Hoje, o Brasil é um dos poucos países com mais de 200 milhões de habitantes que conta com um sistema universal de assistência médica gratuita, o SUS.