A 33ª edição da Bienal Internacional de Arte de São Paulo tem início hoje (3), no Parque Ibirapuera. Sob o título “Afinidades Afetivas”, a mostra deste ano traz uma proposta diversificada, ficando subdividida em sete mostras coletivas pensadas a partir de curadorias livres de artistas convidados. Além dessas, foram montados 12 projetos individuais desenvolvidos diretamente pelo curador da bienal, Gabriel Pérez-Barreiro. No total, participam 103 artistas, fora as colaborações especiais em performances, com 600 trabalhos. O conjunto pode ser visto até 9 de dezembro no Pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera.
Para elaboração do conceito deste ano, Barreiro pegou emprestado o título de um livro de 1809 do alemão Goethe. Na obra, o autor, segundo a análise de Barreiro, traz uma reflexão sobre como as preferências pessoais parecem determinadas por forças que vão além da simples compreensão racional. “Se nossos gostos e afinidades são governados por leis que não entendemos totalmente, talvez estejamos diante de um sistema de organização que não é exclusivamente moral ou cultural ou biológico, mas um estranho amálgama dos três, no qual nossas afinidades, sejam elas conscientes ou inconscientes, nos conduzem”, reflete no texto de apresentação do projeto de curadoria.
A partir da obra de Goethe, Barreiro chega à teoria do crítico Mário Pedrosa sobre como o espectador constrói ativamente o entendimento sobre a arte em um diálogo entre a própria construção como ser humano e os trabalhos colocados diante dele. “Para Pedrosa, a arte devia ser julgada essencialmente em termos de sua capacidade de criar uma relação produtiva entre a intenção do artista e a sensibilidade do espectador”, enfatiza.
Pensando em uma proposta mais plural, que valorize essa diversidade de entendimentos, o curador chegou ao formato em que a mostra não é organizada em torno de um conjunto único de questões. “Espero mostrar como os artistas constroem suas genealogias e sistemas para entender suas próprias práticas em relação às de outros artistas”, explica.
Tragédia
Uma das artistas-curadoras, a brasileira Sofia Borges reuniu mais de 20 artistas para montar a mostra “A infinita história das coisas ou o fim da tragédia do um”. O espaço é aberto por um grande painel feito com uma fotografia de 1923 do padre e etnólogo Martin Gusinde. São dois jovens indígenas da Terra do Fogo, extremo sul da América do Sul, com os rostos pintados e usando gorros cerimoniais. A série continua com fotos em tamanho quase natural dos nativos em trajes ritualísticos até chegar a outro painel, com colagem de gravuras e fotografias da própria Sofia.
Pelas paredes, frases em letra cursiva, de caligrafia imperfeita, como se grafadas a carvão em uma superfície irregular. Algumas parecem ter um sentido místico. “Tudo ao redor era um ovo”, diz uma. “E todo objeto sabia a verdade”, parece complementar outra sobre esse momento revelador. As imagens entram em diálogo com instalações do pernambucano Tunga, morto em 2016. Em uma delas, um dedo do tamanho de uma pessoa, sustentado por uma estrutura de aço, aponta para um chão coberto de pedras. Outra traz três mulheres vestidas de branco em uma performance em que interagem com o chão coberto de terra vermelha, uma engenhoca que derruba grãos de milho e formas cônicas de cerâmica.
Violência
Entre os artistas com mostras individuais está o guatemalteco Aníbal Lopez (1964-2014). Em diversos trabalhos são feitas reflexões sobre segurança pública e violência. Uma série de cerâmicas retrata cenas extremas: um linchamento, um suicídio, um aborto e a destruição de corpos de vítimas do crime. Um pedestal de mármore exibe marcas de tiros de pistola. Nos registros de suas performances está uma feita na fronteira do Paraguai com o Brasil. Na ocasião, Lopez contratou um grupo de contrabandistas para atravessar dezenas de caixas vazias. O material foi empilhado e exposto em Porto Alegre.
O visitante é recepcionado na sala por um texto em que o artista conta ter assaltado um homem de “classe média” para financiar a divulgação e montagem de uma exposição. Para ele, seria na verdade um “empréstimo”, porque o dinheiro seria devolvido aos filhos da vítima como obras de valor simbólico.
A Bienal pode ser vista de terça a domingo, com entrada gratuita. De quinta-feira a sábado, o funcionamento é das 9h às 22h. Nos demais dias, o encerramento é às 17h.