A mudança nas regras de aposentadoria para mulheres foi discutida nesta terça-feira (28) pela comissão especial da Reforma da Previdência (PEC 6/19), na Câmara dos Deputados. O debate faz parte do calendário proposto pelo relator da medida, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que prevê a realização de três debates semanais ao longo de todo o mês de maio.
Ao argumentar sobre o impacto da desigualdade entre homens em mulheres na Previdência social do país, a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Joana Mostafá, destacou que o Brasil ocupou no ano passado a 95ª posição (entre 149 países) no fórum que discute a igualdade de gênero no mundo, o Global Gender Gap Report, do Fórum Econômico Mundial, de 2018. Segundo a pesquisadora, no ritmo dos últimos 12 anos, o Brasil só chegará à paridade de gênero em 116 anos.
A pesquisadora avaliou que a aprovação da reforma da Previdência pode acarretar prejuízos, entre outros pontos, às condições de vida da trabalhadora rural. Segundo Joana, essas mulheres estão majoritariamente ocupadas em produção para o consumo familiar, o que pode dificultar a contribuição previdenciária. “Esse trabalho não traz rendimentos monetários e é de alto risco [clima e pestes], portanto dificulta pagamento de contribuição”, disse.
A presidente da Superintendência de Seguros Privados, Solange Paiva Vieira, criticou a diferença de idade para homens e mulheres na proposta de reforma. O texto prevê que a idade mínima para se aposentar seja de 65 anos para os homens e 62 para as mulheres. Para ela, a atual situação da Previdência social no Brasil está “insustentável”.
“Queremos ser beneficiadas ou queremos lutar por direitos iguais no mercado de trabalho?”, questionou. “A mulher não está perdendo [ao se aposentar no mesmo tempo que o homem], está ganhando se puder ser assegurado que vamos ter creches para os nossos filhos e escolas em tempo integral”, argumentou Solange Vieira. Para ela, é necessário enfrentar questões como licença maternidade estendida e trabalho doméstico no sistema home office para permitir que a mulher não precise se afastar do mercado de trabalho.
“A mulher tem, sim, que ter condições de trabalho adequada, não pode receber discriminação, ela tem que ter uma estrutura para poder deixar os seus filhos. Não entendo o motivo para ela sair mais cedo do mercado de trabalho [se ela vive mais]”, disse.
Já a professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Lobato Gentil, usou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) do 1º trimestre deste ano para ilustrar o impacto da desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro. Os dados mostram que dos 13,1 milhões de desempregados no país, 6,9 milhões são mulheres. Dentre os 3,3 milhões de desempregados há mais de dois anos, 2 milhões ou 61% são mulheres.
Para Denise Lobato, há um mito em torno do déficit estimado em R$ 227 bilhões na Previdência acumulado nos últimos três anos. Segundo a professora, o sistema previdenciário brasileiro foi superavitário entre 2005 e 2015 e outras rendas como o crédito de R$ 427 bilhões em dívida ativa previdenciária devida por empresas poderiam compensar o rombo no orçamento previdenciário. “O sistema é deficitário no papel porque não lhe faltam receitas. Números que são obscurecidos do saber popular e precisam ser desnudados, o sistema é um manancial de receitas”, afirmou. “Diminuir a renda é condenar as pessoas à morte, porque diminuir o acesso à renda é condenar à morte”, completou.
Em contraposição aos argumentos de Denise Lobato, a professora na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Zélia Luiza Pierdoná, afirmou que é fundamental a adequação das regras do sistema previdenciário brasileiro. A professora destacou três aspectos que impactam no atual sistema: longevidade, redução de natalidade e o impacto das novas tecnologias nas relações de trabalho.
“É necessário garantir direitos previdenciários, mas não mudamos realidade com Previdência social, mudamos com educação e saúde de qualidade”, argumentou. “O Brasil é o país que tem saúde universal que menos gasta em saúde pública. [Com investimentos de] 3,7% do PIB não podemos dar uma saúde de qualidade, é temerário dizer que não há déficit na seguridade”, disse.
“Não podemos olhar a Previdência só sobre o olhar do direito. Temos que olhar a Previdência sobre a sustentabilidade do direito. (…) Estamos fazendo uma escolha da Previdência em detrimento da saúde, da educação”, completou.
Regras
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/19 pretende alterar o sistema de Previdência Social para os trabalhadores do setor privado e para os servidores públicos de todos os Poderes e de todos os entes federados (União, estados e municípios). O texto propõe idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, com contribuição mínima de 20 anos. Atualmente, aposentadoria por idade é 60 anos para mulheres e 65 anos para os homens, com contribuição mínima de 15 anos.
Regras de transição
O tempo de transição do atual sistema para o novo será de 12 anos. A regra de transição para a aposentadoria prevê três opções:
1) A soma do tempo de contribuição com a idade passa a ser a regra de acesso. O tempo de contribuição é 35 anos para homens e 30 para mulheres. Em 2019, essa soma terá que ser 96 pontos para homens e 86 anos para mulheres. A cada ano, será necessário mais um ponto nessa soma, chegando a 105 pontos para homens e 95 para mulheres, em 2028. A partir deste ano, a soma de pontos para os homens é mantida em 105. No caso das mulheres, a soma sobe um ponto até atingir o máximo, que é 100, em 2033.
2) A outra opção é a aposentadoria por tempo de contribuição (35 anos para homens e 30 anos para mulheres), desde que tenham a idade mínima de 61 anos (homens) e 56 anos (mulheres), em 2019. A idade mínima vai subindo seis meses a cada ano. Assim, em 2031 a idade mínima será 65 anos para homens e 62 para mulheres. Os professores terão redução de cinco anos na idade.
3) Quem está a dois anos de cumprir o tempo de contribuição para a aposentadoria – 30 anos, no caso das mulheres, e 35 anos, no de homens – poderá optar pela aposentadoria sem idade mínima, aplicando o fator previdenciário, após cumprir o pedágio de 50% sobre o tempo restante. Por exemplo, uma mulher com 29 anos de contribuição poderá se aposentar pelo fator previdenciário se contribuir mais um ano e meio.
Aposentadoria rural
Também houve mudança na aposentadoria rural: 60 anos tanto para homens quanto para mulheres, com contribuição de 20 anos. A regra atual é 55 anos para mulheres e 60 anos para os homens, com tempo mínimo de atividade rural de 15 anos. No caso da contribuição sobre a comercialização, a alíquota permanece em 1,7% e é necessária a contribuição mínima de R$ 600 por ano para o pequeno produtor e sua família. Para se aposentar, nessa categoria, serão necessários 20 anos de contribuição.
Policiais e agentes penitenciários
Os policiais civis, federais, agentes penitenciários e socioeducativos se aposentarão aos 55 anos. A idade valerá tanto para homens como para mulheres.
Os tempos de contribuição serão diferenciados para homens e mulheres. Os agentes e policiais masculinos precisarão ter 30 anos de contribuição, e as mulheres 25 anos de contribuição.
A proposta também prevê tempo mínimo de serviço de 20 anos para policiais homens e agentes homens e 15 anos para policiais e agentes mulheres. Progressivamente, o tempo de exercício progredirá para 25 anos para homens e 20 anos para mulheres nos dois cargos (agente e policiais).
As duas categorias não estão submetidas a aposentadorias especiais. A proposta não contempla os policiais militares e bombeiros.
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Edição: Denise Griesinger