A Constelação Familiar é uma prática alternativa que tem sido aplicada em tribunais de justiça brasileiros, com gastos de mais de R$ 2,6 milhões em cursos para juízes e servidores.
A constelação familiar foi criada pelo alemão Bert Hellinger, um ex-padre que se inspirou em rituais de tribos africanas e em conceitos da psicologia. Segundo ele, todos os membros de uma família estão conectados por um campo energético chamado “campo morfogenético”, que guarda as memórias e as emoções de gerações passadas. Essas memórias podem influenciar o comportamento e o destino das pessoas no presente, gerando conflitos, doenças e infelicidade.
Para acessar esse campo e identificar as origens dos problemas familiares, Hellinger propõe uma dinâmica em que um facilitador, geralmente um psicólogo ou um terapeuta, convida o cliente a escolher pessoas de um grupo para representar os membros da sua família. Essas pessoas, chamadas de representantes, se posicionam no espaço de acordo com a intuição do cliente e começam a sentir e a expressar as emoções dos familiares que estão representando. O facilitador então intervém com frases curtas e sugestões de movimentos para restabelecer a ordem e o equilíbrio do sistema familiar.
A constelação familiar não é reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) como uma técnica científica e não tem evidências de sua eficácia. Além disso, a prática tem sido criticada por especialistas por apresentar incongruências éticas e possíveis danos às partes envolvidas, especialmente em casos de violência doméstica.
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Uma das críticas é que a constelação familiar pode induzir as pessoas a aceitarem situações abusivas ou injustas, como se fossem parte de um destino imutável. Por exemplo, em casos de violência contra a mulher, a prática pode sugerir que a vítima deve perdoar o agressor ou que ela é responsável pelo seu sofrimento por ter desrespeitado alguma lei do sistema familiar. Outra crítica é que a constelação familiar pode violar o sigilo profissional e expor as pessoas a situações constrangedoras ou humilhantes, ao envolver terceiros nos seus problemas íntimos.
A visão de Hellinger ganhou espaço no Judiciário brasileiro a partir de 2012, com o chamado direito sistêmico, que prega soluções mais harmônicas e convida os envolvidos a refletir sobre as causas dos conflitos. O direito sistêmico foi idealizado pelo juiz Sami Storch, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), que se tornou adepto da constelação familiar após participar de um workshop com Hellinger na Alemanha. Storch passou a aplicar a prática em suas audiências e alega ter obtido resultados positivos, como redução do número de processos e aumento da satisfação das partes.
Desde então, vários tribunais de justiça do país adotaram o direito sistêmico como uma política pública, oferecendo cursos, palestras e oficinas de constelação familiar para magistrados, servidores e cidadãos. Alguns tribunais também criaram núcleos ou centros especializados em direito sistêmico, como o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do TJ-BA e o Centro Judiciário Sistêmico (Cejus) do TJ-DF. Além disso, alguns tribunais têm utilizado a constelação familiar como uma ferramenta pré-processual ou processual, ou seja, antes ou durante o andamento dos processos judiciais.
Não há recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o uso da constelação familiar no Judiciário, mas há projetos de lei que visam normatizar ou banir a prática das instituições públicas. Um deles é o PL 4.489/2019, que dispõe sobre a regulamentação da mediação e da conciliação judicial e extrajudicial, e que inclui a constelação familiar como uma das técnicas possíveis para a resolução de conflitos. O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 2019 e aguarda votação no Senado.
Outro projeto é a Sugestão Legislativa (SUG) 11/2020, que propõe o banimento da constelação familiar e do direito sistêmico das instituições públicas, por considerá-los práticas pseudocientíficas, inconstitucionais e violadoras dos direitos humanos. A sugestão foi apresentada por um cidadão através do portal e-Cidadania do Senado e recebeu mais de 20 mil apoios, o que a tornou apta a ser analisada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). A sugestão aguarda parecer do relator Eduardo Girão, senador favorável à prática.
A constelação familiar é uma prática controversa que ainda carece de regulamentação e fiscalização. Enquanto alguns defendem seus benefícios para a pacificação social e a harmonização familiar, outros questionam sua validade científica, sua ética profissional e seus riscos para a saúde mental e os direitos das pessoas envolvidas.
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