O presidente francês, Emmanuel Macron, fez nesta quinta-feira (13) uma declaração que está sendo elogiada pelos historiadores do país. Ele foi o primeiro dirigente a reconhecer que o Exército francês usou um sistema de tortura durante a guerra da independência da Argélia. O discurso veio acompanhado de uma menção ao caso de Maurice Audin, um matemático argelino comunista, detido em 11 de junho de 1957 pelas Forças Armadas durante a batalha de Argel e desaparecido desde então.
A família espera há 61 anos pelo reconhecimento da participação do Estado francês na tortura e na morte do matemático, que se tornou um símbolo das execuções cometidas pelas Forças Armadas da França na Argélia. O primeiro passo foi dado pelo ex-presidente François Hollande, em junho de 2014, que contradisse a versão oficial do governo e afirmou que Audin não fugiu da prisão, mas foi morto em sua cela. Sarkozy, por sua vez, nem respondeu à carta que a esposa de Audin enviou ao Palácio do Eliseu em 2007.
“O presidente da República decidiu que era hora de a nação fazer um trabalho de verdade sobre esse assunto”, anunciou o Eliseu. “Ele reconhece, em nome da República francesa, que Maurice Audin foi torturado e executado por militares que o buscaram em seu domicílio.” O próximo passo seria uma visita de Macron à viúva do matemático, Josette Audin, de 87 anos.
Macron é o primeiro presidente a reconhecer abusos do Exército na Argélia
A declaração de Macron é extremamente importante e valiosa, em termos históricos, porque veio acompanhada não somente do reconhecimento da culpa do Estado francês no caso de Audin, mas também do uso de tortura e abuso de poder na guerra pela independência da Argélia. “Se a morte [do matemático] é, em última instância, ligada a apenas certos sujeitos, ela só foi possível por um sistema legalmente instituído (…) com poderes especiais que foram confiados às forças armadas da época”, continua o documento do Palácio do Eliseu.
Em 1956, o Parlamento francês deu carta branca ao governo para reestabelecer a ordem na Argélia, permitindo, assim, a adoção de um decreto que autorizava a delegação de poderes policiais ao Exército. A medida foi a causa dos desaparecimentos e favoreceu a tortura “com fins políticos”, segundo Macron.
Na carta que o chefe de Estado deve entregar a Josette Audin, ele escreve que “esse sistema foi o terreno de atos terríveis, incluindo a tortura, que o caso Audin trouxe à tona”. Ao reconhecer a participação do Estado em crimes na guerra da Argélia, Macron responde à demanda de várias associações. Mas ele toca no assunto com calma para evitar generalizações e louva a “honra de todos os franceses, civis ou militares, que desaprovaram a tortura, não fizeram uso desse recurso e que, ontem e hoje, recusam qualquer elo com aqueles que a praticaram.”
Para Henri Bentégeat, de 72 anos, chefe das Forças Armadas de 2002 a 2006, há um risco de sujar a imagem do Exército francês no exterior. “Sem negar os crimes inaceitáveis cometidos na época, a distância entre o reconhecimento de um caso do passado e a realidade atual pode provocar um sentimento de injustiça”, afirma. O Exército, por sua vez, lembra em um comunicado que “o assunto da tortura é abordado em sua dimensão ética e histórica na formação de jovens soldados.”
Paralelamente ao reconhecimento do caso Audin, Macron decidiu abrir os arquivos do Estado em relação aos desaparecidos na Argélia. Historiadores, associações e familiares devem poder consultar os documentos – uma forma de diminuir o sofrimento das diversas famílias tocadas pelas tragédias da guerra. As autoridades estimam que cerca de dezenas de milhares, dos dois lados, foram mortos durante os anos de conflito. A declaração de Macron deve ser um “símbolo” de uma mudança na mentalidade da sociedade francesa quanto aos fatos históricos.