7 x 7 – Histórias reais, em 7 minutos, de um socorrista em são paulo
Naquele dia acordou desanimado. Era domingo, dia das mães. Pensou no primo carioca, convidado para o almoço da família. Imaginou o “puxa-saco” sentado na mesa, a bacalhoada borbulhando na panela de barro. Que droga! Com a mente borbulhando, vestiu a farda. Calçou as botas. Pegou a marmita na geladeira e saiu.
Quando passou no concurso, pensou mil vezes. Sempre quis trabalhar na rua. Apesar do diploma de curso superior, sentia um tremendo mal-estar estando trancado, de frente a uma mesa cheia de papéis, clicando teclados, o universo resumido em uma tela. Apreciava o movimentar das coisas reais. Era observador e solidário. Não havia um mendigo que deixasse de ir até o vidro do seu carro, para pedir-lhe uns trocados. Sempre dava alguma coisa e ainda puxava conversa. Sentia-se como um imã a atrair as margens do mundo. Por isso, a convocação para socorrista fez disparar-lhe o coração. Iria sem pestanejar, se não fosse a carga horária: 12/36. Trabalhar aos domingos? No Natal? No Réveillon? Seria impossível! Repensou. Aceitou o desafio.
Acostumou-se com a nova rotina, mas, naquele domingo, sentia-se incomodado. Seu prato predileto seria servido no almoço, acompanhado pelo vinho, que ele dera na véspera, de presente para a mãe. No seu lugar, estaria o primo glutão, dando risadas e abocanhando o peixe.
Chegou à Base da Politécnica, com sete segundos de atraso. Ficou envergonhado, afinal a pontualidade era sua marca registrada, mesmo nos domingos e feriados. Rendeu o socorrista da noite. Tomou o café. Colocou-se à espera dos primeiros chamados. Haveria muitas ocorrências? Dia das mães deveria ser sagrado.
Neide, a enfermeira do plantão, enfim chegou. Trazia de casa uma bela lasanha e belíssimas filhas sorridentes, para o almoço do dia das mães. Nada mal… Mais animado, buscou no bar da esquina, os refrigerantes.
Por volta do meio-dia, a mesa preparada, ouviu-se o rádio: – QSM! QSM!. – Ocorrência… Vítima feminina, idade quarto, nulo… desacordada … numeral sétimo sexto, Rua MDC, em frente ao ponto de ônibus.
A lasanha foi guardada no forno, as filhas, já não tão sorridentes, ficariam esperando.
O trânsito estava livre. Nem precisou acionar a sirene. Em sete minutos chegou. No ponto de ônibus, a senhora estendida no chão…
Dona Vitória, há dois anos morando em São Paulo, tinha se levantado muito cedo. O emprego como doméstica, numa mansão no Morumbi, foi conquistado com muito sacrifício. Ainda estava pagando o curso de cozinheira do SENAC. Mas valeu a pena. Sua habilidade na cozinha havia conquistado a patroa, que não se cansava de contar às amigas, detalhes dos seus pratos saborosos. Isso até aquele dia fatídico!
Não teve como deixar de atender o insistente pedido da patroa. Aceitou trabalhar no domingo. Teria preferido ficar com os dois filhos pequenos. Ao levantar-se sentiu-se estonteada. Não deu importância. Pegou o ônibus até a estação de Carapicuíba, pegou o trem. Desceu na Barra Funda, pegou o metrô. Desceu no Butantã, pegou o ônibus. No domingo, sempre demoram. Desceu no Morumbi. Subiu os cinco quarteirões. Atrasada, foi direto para a cozinha, começou a preparação do almoço.
Ao meio-dia o 192 recebe um chamado.
– Alô! Uma senhora está caída na calçada!…
Ao ser tocada, abriu os olhos, retomou os sentidos. Os sinais vitais estavam alterados. Foi colocada na maca e levada até o PS-USP. No caminho, chorou e desabafou. Justo naquele dia, a casa da patroa cheia de convidados, a cabeça pesou, o calor da cozinha piorou, tão agitada estava, com mil coisas a fazer ao mesmo tempo, acabou queimando o almoço. Foi humilhada, cobrada pelo prejuízo e despedida do emprego.
No retorno para casa, pegou o ônibus, desceu no Butantã. Atordoada, parou no primeiro bar. Pediu uma garrafa de conhaque. Virou tudo. Com a cabeça rodando e as pernas vacilando alcançou o ponto de ônibus. Não viu mais nada.
E lá na Base, a lasanha esfriando e as filhas, já nada sorridentes, esperando…