Com retratos da fotógrafa brasileira Marizilda Cruppe, a exposição A Falta Que Você Faz conta um pouco da história, dos desafios e das angústias de 16 famílias que sofrem com o desaparecimento de um familiar.
Organizada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), a mostra traz retratos e depoimentos de parentes de pessoas desaparecidas e pode ser vista no Museu de Imagem e Som (MIS), na capital paulista, a partir de hoje (12).
No mundo, há centenas de milhares de pessoas desaparecidas como consequência de circunstâncias críticas, como violência urbana, catástrofes ambientais, conflitos armados, migrações e outras crises humanitárias.
“O que eu percebi é que os familiares ficam presos em uma janela de tempo, que é naquele dia, naquele horário que o familiar deles desapareceu e eles vivem todos os dias o mesmo dia. Isso é uma coisa inimaginável para quem vive uma situação dessas, porque a vida segue, a burocracia continua e eles começam a se deparar com problemas burocráticos, porque a pessoa desaparecida não tem um status legal”, contou a fotógrafa que fez as imagens para a exposição.
“Quando você vê, toda a vida da família está comprometida com aquela falta física daquela pessoa, com a parte afetiva, emocional e com todas as outras coisas da lida da vida diária. Desde guarda de filho, autorização para uma criança fazer uma coisa, uma conta da casa que está no nome daquela pessoa e você não consegue cancelar, coisas muito práticas do dia a dia que potencializam ainda mais o sofrimento deles”, completou.
Marizilda destacou que o trabalho foi feito em parceria com os parentes dos desaparecidos. “Todos que eu fotografei foram muito compreensivos, foram pessoas muito atenciosas e generosas, tiveram paciência de me explicar, contar a história deles para eu conseguir me conectar com esse universo.”
Relatos
Uma das famílias retratadas é a de Kaio, que desapareceu em 2013 quando tinha 17 anos. Ele saiu de casa, em Itanhaém, litoral paulista, no dia 11 de julho para uma festa com amigos na cidade vizinha de Mongaguá, de onde voltaria somente no dia seguinte conforme avisou sua mãe por telefone.
“Chegando lá, ele me ligou para avisar que ia passar a noite lá, eu conversei com ele, falei que estava tudo bem e aí no dia seguinte [12 de julho, de manhã] ele demorou para chegar e eu liguei no telefone do amigo dele para poder saber por que ele estava demorando. Ele falou pra mim que estava resolvendo uns problemas, que já já retornaria para casa e foi a última vez que consegui falar com meu filho. De lá pra cá, é essa busca”, contou a mãe, Débora Alves Inácio, de 42 anos.
O Ministério Público estadual está acompanhando o caso, mas até o momento não houve indícios do paradeiro do jovem. O amigo que estava com Kaio na manhã do dia 12 de julho não prestou depoimento nem foi encontrado pelas autoridades.
A mãe procurou pelo filho sozinha em hospitais, Instituto Médico-Legal (IML), colou fotografias dele pela cidade, foi atrás de amigos e da imprensa, mas não o encontrou. “Infelizmente a busca por desaparecidos quem faz é a família. A gente vai [à polícia] para fazer a parte burocrática mesmo, que é o boletim de ocorrência, é como se fosse uma burocracia que você tem que preencher, mas eles não buscam, não tem um mecanismo de busca. Você faz o boletim de ocorrência e pronto, acabou”.
Depois de quatro meses, Débora decidiu se mudar para São Paulo, mas sem desistir das buscas. “O pior dia foi o que eu resolvi vir embora aqui para São Paulo, era como se eu estivesse abandonando meu filho lá no litoral. Eu sabia que eu tinha que sair de lá porque eu já estava ficando deprimida, eu andava dia e noite, se desse, atrás dele. Em qualquer lugar que falassem que tinham visto [meu filho], eu ia. Eu estava ficando doente”, contou.
Para Débora, o desaparecimento é uma causa abandonada e a exposição da Cruz Vermelha ajudará a chamar a atenção das autoridades e da sociedade para a questão. “Nós não temos nenhuma política pública sobre isso. As pessoas evitam o assunto, tem gente que acha que nem existe isso mais aqui no Brasil. Temos que ter uma mobilização para as pessoas se comoverem mais e lutarem junto com a gente por essas políticas”, disse.
Número de desaparecidos
Segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), durante o ano de 2017, 82.684 casos de desaparecimentos foram reportados às polícias civis no Brasil. Somente em São Paulo, foram registrados 25.200 desaparecimentos em 2017. Para a coordenadora de Proteção da delegação regional do CICV, Marianne Pecassou, a exposição dará mais visibilidade à questão do desaparecimento no Brasil e às necessidades das famílias.
Os parentes de pessoas desaparecidas têm necessidades diversas que, muitas vezes, não são atendidas pelas autoridades ou pelas instituições que tratam desse problema.
“Percebemos que as necessidades não eram só com relação à busca das pessoas desaparecidas, mas também com relação às consequências vividas pelas famílias pelo fato de ter uma pessoa desaparecida”, disse.
Segundo ela, muitas dessas famílias estavam isoladas, muitas tinham problemas socioeconômicos, várias desenvolviam problemas psicológicos e psicossociais, outras enfrentavam problemas jurídicos e administrativos. As instituições públicas, segundo ela, ainda trabalham de forma fragmentada.
“Para atender à complexidade do problema é preciso trabalhar de maneira muito mais coordenada para dar respostas às famílias. O que nós temos recomendado, por exemplo, em nível local e nacional é a criação de mecanismos de coordenação interinstitucional entre os órgãos que devem tomar conta do problema”, disse a coordenadora.
A exposição A Falta Que Você Faz fica em carta no Museu da Imagem e do Som (MIS) de 12 a 30 de setembro, com entrada gratuita. A visitação é aberta de terça a sábado, das 10h às 20h; domingos e feriados, das 9 às 18h.