A medicina baseada em evidências (MBE) é uma abordagem que busca utilizar as melhores evidências científicas disponíveis para orientar as decisões clínicas sobre o cuidado dos pacientes.
Em outras palavras, é uma forma de aplicar o conhecimento produzido pela pesquisa científica na prática médica, de forma consciente, explícita e criteriosa.
A MBE surgiu como uma reação à medicina baseada em opiniões, tradições ou experiências pessoais, que nem sempre são confiáveis ou atualizadas. A MBE visa garantir que os médicos ofereçam aos pacientes os tratamentos mais eficazes, seguros e adequados, baseados em evidências de alta qualidade e não em achismos ou modismos.
Para praticar a MBE, os médicos precisam saber formular perguntas clínicas relevantes, buscar as evidências científicas mais pertinentes, avaliar a qualidade e a validade das evidências, integrar as evidências com as preferências e valores dos pacientes e avaliar os resultados e a efetividade das intervenções.
No entanto, para que os médicos possam fazer isso, eles precisam ter uma boa formação em MBE durante a graduação e a pós-graduação. E é aí que surge um problema no Brasil: a qualidade da formação médica no país é questionável e insuficiente para preparar os médicos para a MBE.
Um dos indicadores da baixa qualidade da formação médica no Brasil é o alto índice de reprovação nos exames de avaliação de competências médicas, como o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), o Exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeiras (Revalida).
Esses exames medem o conhecimento, as habilidades e as atitudes dos estudantes e dos egressos dos cursos de medicina, e revelam que muitos deles não estão aptos para exercer a profissão com qualidade e segurança. Por exemplo, no Enade de 2019, a média geral dos estudantes de medicina foi de 59,50, em uma escala de 0 a 100. No Cremesp de 2019, 48,1% dos participantes foram reprovados. No Revalida de 2017, apenas 3,9% dos candidatos foram aprovados.
Esses resultados alarmantes podem ser explicados por vários fatores, entre eles a expansão desordenada e desregulada dos cursos de medicina no Brasil, que aumentou a oferta de vagas sem garantir a qualidade do ensino. Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), o Brasil tem 196 escolas médicas, sendo a segunda maior quantidade do mundo, atrás apenas da Índia. No entanto, muitas dessas escolas não têm infraestrutura adequada, corpo docente qualificado, currículo atualizado, metodologias ativas de ensino, hospital-escola, rede básica de saúde, avaliação contínua e feedback aos alunos.
Outro fator que compromete a qualidade da formação médica no Brasil é a falta de ensino e de incentivo à MBE nas escolas médicas. Segundo um estudo de 2018, publicado na Revista Brasileira de Educação Médica, apenas 28,6% das escolas médicas brasileiras declararam ter disciplinas específicas de MBE em seus currículos. Além disso, muitas escolas não ensinam os estudantes a estruturarem, lerem e interpretarem artigos científicos, que são a principal fonte de evidências para a MBE.
A falta de domínio da MBE pelos médicos pode ter consequências graves para a saúde dos pacientes e para o sistema de saúde. Por exemplo, pode levar a erros médicos, desperdício de recursos, uso inadequado de medicamentos, exposição a riscos desnecessários, desatualização profissional, baixa adesão aos protocolos clínicos, resistência às inovações e perda de credibilidade.
Portanto, é urgente e necessário que as escolas médicas no Brasil invistam na melhoria da qualidade do ensino e na incorporação da MBE em seus currículos. Além disso, é preciso que os médicos em exercício busquem se atualizar constantemente e se capacitar em MBE, por meio de cursos, livros, revistas, sites e aplicativos especializados. A MBE é uma ferramenta essencial para a prática médica de excelência, que beneficia os pacientes, os profissionais e a sociedade.