Pedro nasceu motorista. Habilidade no volante, como a dele, dizem que não há. Sonhava ser piloto de fórmula 1, não sendo de família de posses, não existia razão para tanto. Trocou, então, as pistas de corrida, pelas avenidas e aterros do Rio de Janeiro, a Ferrari pela viatura do Corpo de Bombeiros. Na corporação, fez carreira.
Carlos era um esportista. Sempre preferiu praia aos estudos. Depois de ter passado por três faculdades, formou-se em Direito. Só o diploma, sem o certificado da OAB, não era garantia de emprego. Muito simpático, vivia rodeado de amigos. Foi com a indicação de um deles, que ingressou, em empresa de Economia Mista. Lá se fixou. Afinal, podia juntar o útil (amigos) ao agradável (salário). Depois de um tempo, foi cedido para uma Secretaria de Estado, com vantagens salariais, subiu na escala de cargos.
É uma segunda-feira. Pedro encontra-se de plantão na Unidade de Socorro. Por volta das 14 h recebem um chamado. Parada cardíaca. Em poucos minutos, com destreza no volante, ele e o médico do plantão chegam no local, onde um socorrista do SAMU, encharcado de suor, fazia a massagem cardíaca. Juntaram-se a ele. Usaram todos os recursos. Em meio a grande tensão, o coração voltou a bater. Em poucos minutos, removeram o paciente até o hospital, atravessando os congestionamentos das ruas, usando a contramão, arriscando-se. Enfim, a vitória da vida pôde ser, mais uma vez, comemorada.
Pois bem, leitor, sabe o que Carlos, o bem-sucedido burocrata, à pouca distância, fazia a essa hora? Em sua sala, no conforto do ar condicionado, entre um cafezinho e outro, acessava as redes sociais, mantinha uma conversa animada, dava gargalhadas. Nada de mais, pois era assim que salvava a si mesmo e o que mais lhe importava: sua mulher, os filhos, o apartamento confortável na Barra e as viagens.
Essas são estórias de homens que “salvam”, mas com finais muito diferentes. É que, os salários dos que se arriscam para salvar a vida de outros, se somados, não alcançam o valor da remuneração mensal de um único “Carlos”. Mesmo porque, apesar das mudanças constantes de Base, socorristas não são “Comissionados”, alguns nem sequer recebem insalubridade e outras tantas vantagens pecuniárias pagas aos que salvam a si mesmo.
Tudo normal, já que as estórias se passam em um país acometido pela cegueira das paixões humanas, não enxergando, portanto, seus verdadeiros heróis.