A Justiça Federal em Curitiba determinou que a Receita Federal retire o campo “nome da mãe” e inclua as opções “não especificado”, “não binário” e “intersexo” no campo “sexo” nos formulários de CPF.
A decisão atendeu a um pedido de entidades de defesa da diversidade sexual e de gênero e representantes da comunidade LGBTQIAPN+, que alegaram que o formulário atual viola os direitos de personalidade, igualdade, liberdade e autodeterminação das pessoas que não se enquadram na lógica heterocisnormativa.
Segundo a juíza federal Anne Karina Stipp Amador Costa, que proferiu a sentença, o nome da mãe é um dado “irrelevante” para a identificação fiscal e pode gerar constrangimento para pessoas que não têm esse vínculo familiar. Além disso, a magistrada afirmou que o campo “sexo” deve contemplar as diversas formas de expressão de gênero, reconhecendo a existência de pessoas que não se identificam nem como homem nem como mulher, ou que possuem características biológicas de ambos os sexos.
A juíza também destacou que a mudança no formulário de CPF está em consonância com as normas internacionais de direitos humanos e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que já reconheceu a possibilidade de alteração do registro civil de pessoas transgênero e intersexo sem a necessidade de cirurgia ou laudo médico.
A Receita Federal tem 180 dias para adequar o cadastro e a retificação do CPF, seja na forma presencial ou pela internet. A decisão judicial é de primeira instância e cabe recurso.
A medida foi comemorada por ativistas e organizações que lutam pela inclusão e pelo respeito à diversidade de gênero. Para João Nery, fundador do Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE) e autor do livro “Viagem Solitária”, a decisão é um avanço histórico para a cidadania das pessoas que não se encaixam nos padrões impostos pela sociedade.
“É uma vitória muito importante, porque o CPF é um documento essencial para a vida civil. Muitas pessoas sofrem discriminação e violência por causa de um documento que não reflete quem elas são. Essa decisão reconhece a nossa existência e a nossa dignidade”, disse Nery.
Já Maria Clara Araújo, educadora e ativista trans, afirmou que a decisão é um passo para a despatologização e a desburocratização da identidade de gênero. Ela lembrou que muitas pessoas enfrentam dificuldades para alterar o nome e o gênero em outros documentos, como RG, carteira de trabalho e título de eleitor.
“Essa decisão é um avanço, mas ainda é insuficiente. Precisamos de uma lei que garanta o direito à autodeterminação de gênero, que permita que as pessoas possam mudar o seu nome e o seu gênero em todos os documentos sem precisar de autorização judicial, laudo médico ou cirurgia. Esses são requisitos que violam a nossa autonomia e a nossa integridade física e psicológica”, afirmou Araújo.
A reportagem entrou em contato com a Receita Federal, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.