Mais de 7.600 assinaturas já foram colhidas por um abaixo-assinado em favor do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), pré-candidato às eleições presidenciais de outubro e que foi denunciado na semana passada pelo crime de racismo pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A campanha foi lançada pela Associação Sionista Brasil-Israel (ASBI) em favor de “um grande amigo dos judeus de Israel”.
De acordo com a entidade, a denúncia apresentada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, é “panfletária” e estaria integrada ao “golpe do marxismo cultural em andamento”.
“Logo, nós, judeus, que padecemos o Holocausto, que fomos sempre vítimas de racismo e preconceito, queremos deixar patente, de forma expressa e inequívoca, o nosso apoio ao deputado e presidenciável Jair Bolsonaro, de modo que jamais compactuaríamos com ele se racista fosse”, escreveu o grupo.
Acompanhado de um manifesto, o abaixo-assinado queixa-se do “politicamente correto” e do “marxismo cultural”, este nada mais do que “uma forma de promover os ideais marxistas sem o discurso revolucionário direto, mas inseminando-o na mentalidade vigente de forma a perseguir, patrulhar, condenar, polarizar como hediondo, vil, fascista, enfim, ‘uma pessoa horrível’, todo aquele que ouse declarar-se contrário ao socialismo ou a alguns padrões do ‘bom-mocismo'”.
Veja Mais:
– Rússia ameaça bloquear o Facebook caso a rede social não cumpra as regras
– Lula e os Kirchner são tão culpados quanto Maduro pela crise na Venezuela, diz peruano
“Vive-se a cultura da hipocrisia pela qual camufla-se toda iniciativa política com as cores aceitável que embuça o inaceitável, quando, atrás de ímpetos supostamente democráticos se abrem as portas para solapar as bases libertárias da própria civilização ocidental”, continuou o manifesto, que dá o braço a torcer apenas ao reconhecer que as palavras do deputado foram “rudes e inadequadas”.
Xenofobia
Na denúncia oferecida ao Supremo Tribunal Federal (STF), Dodge afirmou que a conduta de Bolsonaro durante uma palestra em 3 de abril de 2017, no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, “se alinha ao regime de escravidão” ao comparar os negros quilombolas brasileiros a animais.
“Jair Bolsonaro tratou com total menoscabo os integrantes de comunidades quilombolas. Referiu-se a eles como se fossem animais, ao utilizar a palavra ‘arroba’. Esta manifestação, inaceitável, alinha-se ao regime da escravidão, em que negros eram tratados como mera mercadoria, e à ideia de desigualdade entre seres humanos, o que é absolutamente refutado pela Constituição brasileira e por todos os Tratados e Convenções Internacionais de que o Brasil é signatário, que afirmam a igualdade entre seres humanos como direito humano universal e protegido”, justificou a procuradora.
Além da condenação, a procuradoria pede que o deputado seja obrigado a pagar de R$ 400 mil por danos morais coletivos. “Estas manifestações feitas pelo acusado, de incitação a comportamento e sentimento xenofóbico, reforça atitudes de violência e discriminação que são vedadas pela Constituição e pela lei penal”, continuou Dodge.
Da sua parte, Bolsonaro queixou-se que “se faz brincadeira hoje em dia, tudo é ódio, tudo é preconceito”. “Se eu chamo você de quatro olhos, de gordo, não estou ofendendo os gordos do Brasil. Eles querem fazer o que na Alemanha já existe: tipificar o crime de ódio. Para mim pode ser, e pra você pode não ser. Tanta coisa importante para o Brasil, para o Judiciário se debruçar e vai ficar em cima de uma brincadeira dessa”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo.
+ Camiseta Star Wars da Chico Rei com estampa que brilha no escuro!
Naquela ocasião no Clube Hebraica do Rio, Bolsonaro disse para uma plateia lotada que quilombolas não “serviam nem para procriar”.
“Onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza embaixo dela. Temos que mudar isso daí. […] Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gastado com eles”, declarou o parlamentar.
O ministro Marco Aurélio Mello será o relator do caso no STF. Ele é membro da Primeira Turma da Corte, que deverá analisar a denúncia, junto com os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Por ora, não há previsão para a acusação ser julgada.
Bolsonaro já é réu em outras duas ações que tramitam no Supremo – ambas relatadas por Fux –, uma por apologia ao crime e injúria dizendo respeito ao episódio com a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), e outra pelo mesmo episódio, por incitação ao crime de estupro, denúncia esta oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF).
#NãoEmNossoNome
Desde a palestra no Clube Hebraica do Rio, a comunidade judaica no Brasil se mostrou bastante dividida quanto ao apoio dado a Bolsonaro. Ao contrário Associação Sionista Brasil-Israel, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) rechaçou qualquer preferência pelo ex-capitão do Exército pelos judeus que vivem em solo brasileiro.
“[Lamentamos a] atitude de alguns de seus membros, que pretendem identificar a comunidade com um ou outro candidato”, informou o comunicado, endossado pelo ex-presidente da Conib entre 2009 e 2014, Claudio Lottenberg, em uma entrevista à revista Piauí.
“Eu, membro de uma comunidade e tendo sido presidente da Conib, nunca recebi delegação para me posicionar partidariamente […]. A comunidade é absolutamente plural, inclusive há vários judeus em diversos partidos, como [Alberto] Goldman, no PSDB e Jacques Wagner, no PT”, declarou.
A opinião foi compartilhada pelo presidente do Conselho Geral das entidades ligadas à Federação Israelita do Rio Grande do Sul, ex-vice da Conib e ex-presidente da Federação Israelita gaúcha, Henry Chmelnitsky, à mesma publicação.
“Em toda minha vida, nunca vi uma reunião com mais de 10 judeus, em que 9 fossem a favor da direita. Ele [Bolsonaro] não representa a média da comunidade, que sempre transitou pela diversidade e nunca teve lideranças ligadas aos extremos […]. A comunidade judaica nunca pode apoiar quem segrega. Por princípio, porque pagou com a carne a segregação”, contou.
A divisão judaica em torno do nome de Bolsonaro chegou a render uma hashtag – #NãoEmNossoNome –, uma forma de protesto contra o espaço dado pela Hebraica no ano passado. A motivação era de que o parlamentar “tinha ideias fascistas como as que causaram o Holocausto”, conforme relembrou o colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo.
Já a ASBI possui outra visão. “Nós da ASBI, Associação Sionista Brasil-Israel, erguemo-nos contra esta configuração que imprimiu graves extravios à comunidade judaica, que assim se mostrou dividida e surda, em parte, à voz de um homem que tem se mostrado o seu maior amigo, enquanto partidos de esquerda e outros amiúde confinam com ideias classificáveis como antissemitas”. Por Sputnik Brasil